terça-feira, 7 de abril de 2009

Contos de Espionagem



Capítulo 1 - O Único Truque Que Nunca Aprendeu

O Regent´s Park estava agitado, com seus quiosques e música, com sorrisos em rostos otimistas passeando pela grama da bela tarde de verão em Londres onde podia se perceber, em momentos como esse, a cultura plural desta parte da cidade. Não muito longe da Chester Road, um transeunte até avistaria uma das maiores mesquitas da cidade com seus freqüentadores que circulam tranquilamente durante todo o dia e que pouco fazia lembrar a tensão racial e perseguição de poucos anos atrás.

No centro das pequenas ruas da construção, o Open Air recebia a visita de uma delegação Palestina ao país, discursando para seus partidários e para um público de curiosos numa manifestação pacífica. Paz que o governo de Sua Majestade faria de tudo para manter a qualquer custo, não interessava, pois, nenhuma fagulha que pudesse levar a um novo incidente como o do assassinato no metrô local.

Além dos tradicionais policiais do reino, trajados adequadamente e agora possuidores de armamento comum, concatenavam-se a eles também soldados, homens da Scotland Yard à paisana e seguranças particulares da própria comitiva. Com o som leve de música típica ecoando pelos auto-falantes à distância, a movimentação era semelhante a um jogo em que todos sabiam exatamente seus papéis, atuando a contragosto ou não.

--X--

Ao menos esta era a impressão causada ao homem observando tudo à uma distância suficiente para não ser notado e perto o bastante para perscrutar o ambiente em busca de pequenas falhas, pequenas incongruências em comportamento, qualquer indício de que algo podia estar errado. Há muito ele sabia que para o SIS, o serviço de inteligência militar bretão, prever o pior é a melhor maneira de salvar vidas e por mais controlada que uma situação possa aparentar, o melhor truque do diabo é fazer acreditar que ele não existe.

O homem vestia-se de maneira não tão formal, mas conservando a sobriedade necessária para não chamar a atenção. Dentro de seu paletó cinza, de corte reto e atual como se saído de algum editorial de moda executiva, uma ferramenta pouco usual entre homens de negócios descansava em um coldre de couro macio. Uma ASP 9mm de tiragem exclusiva para o SIS, totalmente carregada e destravada que fazia, infelizmente, algum volume em sua roupa.

O som em seu ouvido interno interrompeu o primeiro gole em sua limonada, que o refrescaria do calor londrino:
" Torre Branca para Cavalo Branco. Over."

O homem demorou a responder, bebendo todo o conteúdo em um gole só... dando a si alguns segundos para se recompor e só então respondeu.

" Cavalo Branco para Torre Branca. Estou posicionado a oeste da York Bridge agora. "

Enquanto esperava a resposta, sentiu um aroma diferente no ar. Como um perfume oriental borrifado à exaustão, mas que, diferente da maioria em excesso, não causava enjôo ou repulsa. Pensou ser de alguma árvore.

"Cavalo, retorne à posição inicial. As ordens são para não se afastar do Rei Negro. " - a voz não deixava dúvida. Era Robinson, um dos mais eficientes agentes de coordenação da Comunidade. Gostava de Robinson, trabalhavam juntos regularmente. Ganhar o seu respeito não era fácil, mas ele conseguira com os anos.

" Imediatamente, Torre. " - disse, respondendo ao chamado.

O homem a quem seus superiores chamavam pelo codinome de uma peça de xadrez, atirou seu copo em uma lixeira e voltou pelo caminho que viera, por dentro do círculo interno do parque, até atingir o ponto combinado, que ele considerava inútil, uma vez que ali se concentrava a maior parte da segurança ostensiva e onde o público se localizava. Mas as ordens foram explícitas.

Enquanto observava Faishad Al-Haud, o líder espiritual da comitiva pregando os ideais de paz tão necessários e, ao mesmo tempo, tão inatingíveis para uma parcela da comunidade palestina, o homem de paletó cinza virou instintivamente a cabeça ao sentir novamente o perfume adocicado que lembravam agora as tâmaras do Egito.

Seu olhar se concentrou numa mulher de pele muito branca e olhos felinos, revelados por sua burca, que cobria todo o resto de seu corpo, para desagravo dele. Ela se movia fluidamente entre o aglomerado à sua volta, atraindo alguns poucos olhares surpresos eventualmente e seguindo sempre em frente. Havia alguma coisa nesta mulher que o desconcertava, algo difícil de definir.

Expulsou-a de seus pensamentos quando a familiar voz em seu ouvido ecoou além da estática.
" Rainha Branca para Cavalo. Over." - ele respondeu com destreza ao reconhecer a voz de M :
" Aqui é Cavalo Branco. Rei Negro pronto para se retirar. Acompanhando. "

Para Jåµë§ ßønd, fazer o papel de segurança particular de um político não o incomodava de verdade, pior destino seria ficar em sua enfadonha sala, no prédio do MI-6, organizando a papelada e documentos atrasados na burocracia que sempre o engolia entre uma missão e outra. Os intervalos podiam durar meses e qualquer atividade como esta era até bem-vinda. A chance de respirar ar puro, passear no parque e ainda ser pago para isso.

A comitiva principal preparava-se para sair e o burburinho sempre gera uma pequena tensão, pessoas querendo se aproximar, entrevistas a serem dadas obrigatoriamente e outros itens indispensáveis para homens cuja missão é espalhar suas idéias pelo mundo. Tudo isso ele atentamente observava, quando seus olhos pairaram novamente naquela mulher, que se posicionara à distância discretamente. Curiosamente, levava em suas mãos um espelho de maquiagem aberto, e isso não era exatamente incomum entre muçulmanas vivendo na Inglaterra. Mas a maneira como ela balançava o espelho insistentemente... um arrepio percorreu sua espinha como água gelada do Tâmisa.

" Cavalo para Torre. Cavalo para torre. Over. "
" Torre na escuta. Over. "

" Há um atirador. "

Fim do capítulo 1.

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