segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Contos de Espionagem



Capítulo 11 - A Mulher Com Cheiro de Tâmaras

Ela caminhava por entre as ruas com desenvoltura e a firmeza de quem não é apenas visitante. Os seus passos, não obstante, denotavam pressa e ansiedade de chegar cedo no encontro marcado previamente. Vestia um terno feminino marrom e enormes óculos escuros, muito desproporcionais, que escondiam seu olhar por trás de lentes grossas e soturnas.

Numa manhã de sol como esta ela jamais passaria despercebida em vários lugares do mundo e New York era um deles. Na cidade que dizem nunca dormir, os seus olhos estão sempre atentos para quem passa. Ela saltara de um táxi resolvendo ir a pé até o prédio luxuoso localizado na Broadway Avenue, próxima da 5th Avenue, onde seu empregador a esperava. Chegando à recepção do prédio, falou rapidamente com a segurança, cuja indicação do elevador correto ela agradeceu e apertou o botão apropriado. As portas se fecharam atrás dela quase no mesmo instante em que entrou no cubículo móvel que a conduziu ao último andar. No abrir de portas, um apartamento gigantesco e bem decorado, do tipo que se vê em revistas de imprensa marrom, revelou-se para ela.

Um serviçal de origem árabe a recebeu, oferecendo um drinque e avisando-a ficasse à vontade e que, quando retornasse, traria o que ela viera buscar. O serviçal profissionalmente conteve seu arrebatamento quando a mulher convidada retirou seus óculos e soltou seus longos cabelos vermelhos em demonstração de relaxamento e acolhimento. Antes de se retirar a outros cômodos e retornar a seus afazeres o serviçal não pôde deixar de espiar uma vez mais a misteriosa figura agora sentada adequadamente na sala de estar.

Pele muito branca, olhos sagazes, cabelos vermelhos de uma cor nunca vista em seu país antes, como só mesmo as ocidentais poderiam mixar as cores. Apesar de sua roupa discreta ele deduzira que seu corpo magro e esguio guardava secretamente curvas nos lugares adequados. Era certamente alguma nova aquisição de seu mestre. Por um momento, ficou feliz em servir a um homem de tanto bom gosto e desejou por um momento estar em seu lugar. Ter o seu poder.

A mulher aguardou pacientemente até que seu relógio marcou 15 minutos desde que chegara ao recinto. Seguindo seus instintos, imaginou que algo podia estar errado. De maneira discreta, percorreu com os olhos o cômodo em busca de câmeras que certamente a observavam e se dirigiu até o bar, onde imaginou ser a melhor posição no momento. Atrás do balcão, admirou algumas garrafas, remexeu algumas taças como se buscasse a combinação ideal para uma coquetel. Finalmente agarrou um balde de gelo e enquanto preenchia um copo de whisky deixou secretamente escorregar algo para dentro. Neste momento, o serviçal voltou aparentando tranqüilidade e sorriu ao ver que ela carregava o balde de gelo com ela ao retornar para o sofá. Deixou-o na mesa em frente e apenas serviu-se de uma pequena dose da garrafa que apanhara.

"Meu mestre infelizmente não poderá se apresentar, mas falará com você por conferência." - disse o serviçal, ligando um botão que fez descer uma tela grande e que revelou, após alguns toques de controle remoto, a face de seu empregador. Depois prostrou-se numa posição e lá ficou, imóvel, por detrás da mulher. Um movimento que não passou despercebido.

"Bom dia, minha cara." - a voz iniciou.

"Bom dia. O seu convite foi inesperado. Normalmente nossos negócios são resolvidos por meios de sempre."

"Sim, mas este ainda está incompleto."

"Incompleto ? O mundo inteiro viu Faishad Al-Haud ser assassinado e a honra inglesa ser humilhada ao vivo !" - A mulher semi-cerrou os dentes mostrando orgulho.

"Não questiono seus métodos ou eficiência, minha cara amiga, e sim as conseqüências dos atos perpetrados. Recebi informações que agentes aliados estão investigando o seu colega morto."

Ela calou-se por um momento e pensou um pouco sobre o que foi dito. Maturou as idéias e chegou à conclusão óbvia.

"Mohamed" - respondeu calmamente.

"Exatamente. Cedo ou tarde eles chegarão a você. Chegando a você, podem chegar a mim.. não, não diga nada, você sabe que eles podem conseguir se tiverem a força de vontade necessária... o resto, você conhece."

"Não me ameace, é muito indelicado de sua parte."

"Eu não faço ameaças, minha cara, apenas estou mostrando os fatos e seu provável desenrolar."

A mulher ruiva tomou uma decisão ao ouvir estas últimas palavras. Puxou o balde de gelo para mais perto, fora do alcance da visão do serviçal e pegou mais uma pedra.

"Então está decidido. Eu vou eliminar os agentes responsáveis pelo caso e isso atrasará a investigação tempo suficiente para você completar seu grande plano." - disse com muita ironia o final de sua frase.

"Mais 2 milhões de dólares cobrirão seu infortúnio?"

"É aceitável, uma vez que não é ninguém importante desta vez."

E continuou :
"Mas eu não gostei de sua atitude. E, apenas por isso, vou ter que lembrá-lo do porque me contratou para este trabalho."

Levantou-se velozmente, atingindo com seu cotovelo o nariz do serviçal, atrás dela, que caiu de joelhos pela dor. Em seguida, alcançou com a mão a pequena beretta que escorregara de sua manga para o balde de gelo e a apontou para a gigantesca tela.

Por um momento, o seu empregador mostrou incredulidade pela brutalidade ocorrida e a insanidade de ver aquela linda mulher apontar a arma para a tela de um monitor.

Sorrindo, ela desviou a mira para o serviçal, ainda no chão, e disparou em sua testa antes que ele pudesse sequer protestar. O árabe caiu morto e um filete de sangue muito fino escorria de sua cabeça.

"Isto foi desnecessário." - o homem disse, friamente.

"Não. Não foi."

"As informações sobre seu alvo e planos estão dentro da túnica dele." - disse o homem. Ela foi até o corpo, guardou a arma e procurou por um envelope na túnica do serviçal. Depois pegou o controle remoto, apontando-o na direção do monitor.

"Agora ambos sabemos do que somos capazes. Entro em contato quando terminar a missão." - e desligou o aparelho.

Abrindo o envelope, achou um passaporte brasileiro e um resumo da missão junto com números de contatos para buscar apoio no local. Pôs seus óculos escuros e chamou o elevador, sorrindo ao notar que no passaporte constava um nome que ela não saberia pronunciar direito. A língua portuguesa nunca fora seu forte, nada que a impedisse de usar passaportes de lá. Depois de tantos anos, já quase esquecera seu nome verdadeiro de tantos que já assumira e vivenciara, mas no mundo de mortes súbitas e atos hediondos ela era conhecida por apenas um nome.

Kali. O nome de uma santa cigana européia. Mas escolhera também em homenagem à deusa hindu da morte e destruição. Pois era, atualmente, a assassina mais perigosa do mundo.

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